
Direito Condominial - Ana Paula Dalleprani
Ana Paula Dalleprani Advogada, OAB/ES 28.995. Pós-graduanda em processo civil e direito imobiliário. Atuante na área cível e especialista em Direito Condominial. Atualmente assessora mais de 40 condomínios.
Sobre o PL 419/2020, cobrar pela média de água consumida é a solução?

Recentemente, acompanhando-se as novidades e movimentos em volta da área condominial, chama atenção uma notícia em que o Sindicato Patronal de Condomínios Residenciais, Comerciais, Mistos e Empresas de Administração de Condomínios no Estado do Espírito Santo – SIPCES, através da vontade de vários síndicos da Grande Vitória, em parceria com um Deputado Estadual, manejou a apresentação de um projeto de lei interessante acerca do faturamento do consumo de água no Espírito Santo.
O Projeto de Lei Estadual 419/2020 pretende que o faturamento do consumo de água se dê através do cálculo da média de consumo de água unidade em um condomínio, sustentando em seus motivos que as duas modalidades vigentes de faturamento atualmente previstas se encontram desvantajosas parta o consumidor.
Embora trate-se de iniciativa louvável, há que se falar que a matéria já foi tratada pelo STJ com resultado favorável ao consumidor, porém, como iremos explicar a seguir, não se trata de assunto simples, e, após a compreensão do tema, será entendido o porquê da maneira de faturamento escolhida no PL 419/2020 – ES não ser a melhor opção para solução deste problema.
Inicialmente, cumpre esclarecer as duas modalidades de faturamento vigentes para as unidades usuárias com mais de uma economia (condomínios) e com um único hidrômetro:
Art. 2º Resolução ARSP 020/2018:
I. A unidade usuária é formada por uma economia;
II. A unidade usuária é formada pela quantidade de economias equivalentes ao número de imóveis, ou subdivisão do imóvel, ou salas comerciais, ou apartamentos atendidos pela ligação.
O §4º desse mesmo artigo ainda diz o seguinte “O critério a ser adotado para o usuário titular deverá ser aquele que melhor atenda aos objetivos de modicidade tarifária.”
Já o §1º indica que o faturamento será realizado sempre pelo volume efetivamente medido (ao contrário do volume médio pretendido pelo PL).
Assim, é de fácil entendimento de que entre esses dois critérios, o faturamento se dará pelo volume efetivamente medido e sempre será escolhido o critério que for melhor para o consumidor, ou seja, aquele em que a conta será mais barata.
Nesse cálculo ainda deve-se levar em consideração que o faturamento da conta de água também é afetado pelo volume total consumido, de modo que quanto mais água for utilizada, maior é o preço pago em cada m³.
O faturamento de água através do Critério “I” indica que mesmo havendo mais de uma economia naquele condomínio, o consumo será considerado como uma única unidade consumidora, sendo alocado dentro das faixas de consumo normalmente.
Nessa metodologia de cálculo, o valor final do m³ pode alcançar preços altíssimos, pois o volume de água faturado na última faixa de cobrança será muito maior do que o volume de água faturado nas faixas de cobrança mais baratas.
Como exemplo, se um condomínio consumir 300m³ de água, 250m³ serão faturados na última faixa de preço, que é a mais cara, elevando muito o valor final da conta de água.
Já o faturamento através do Critério “II” indica que a unidade usuária será composta por várias economias, o faturamento muda bruscamente, pois invés de se considerar uma única unidade consumidora para o faturamento, o §3º do artigo 2º, indica que o volume efetivamente medido será dividido entre as economias (salas, apartamentos, lojas, diferentes entre si), para que a conta seja faturada.
Como um exemplo, num condomínio com 6 lojas, em que o consumo foi de 300m³, toda a água consumida foi faturada nas faixas de consumo mais baratas, pois nenhuma das unidades ultrapassou a marca de 50 m³ (faixa de consumo mais cara).
Pois bem, aparentemente, como a Resolução 008/2010 estabelece que sempre será utilizado o critério mais benéfico, não há prejuízo para o consumidor, e, não há sentido nenhum em modificar essa situação, correto? Errado!
Além das variáveis já apresentadas há também a figura do “Importe mínimo”, descrito no Art. 79 da Resolução ARSI 008/2010:
Art. 79 O volume que determinará o valor mínimo faturável dos serviços de água é de 10 (dez) metros cúbicos mensais por economia. (Redação dada pela Resolução ARSI nº 015 de 29/11/2011)
§ 1º Em edificações desprovidas de medição individualizada, poderá ser faturado, a critério do prestador de serviços, o consumo apurado na totalidade das unidades usuárias em conta única, emitida em nome do usuário titular, respeitando o consumo mínimo faturável, previsto no Art. 79 .
Em resumo, esse artigo autoriza que toda vez que o consumo de água de uma unidade usuária seja inferior à 10 m³, a prestadora de serviços – CESAN – poderá faturar e cobrar 10 m³, além disso, o §1º autoriza ainda que seja considerado o importe mínimo para cada economia.
Assim, através dessa situação, como exemplo, um condomínio comercial de 100 unidades que consome em média 350 m³ terá a sua conta de água faturada sobre 1000m³, pois quando for feita a divisão do volume de água consumido pela quantidade de economias, o valor será inferior ao mínimo, sendo considerado 10m³ para cada economia.
Nesse cenário, chegamos ao ponto tratado pelo PL 419/2020 – ES, duas situações de extrema desvantagem para o consumidor, porém, como já falado acima, essa dificuldade já foi superada através da atuação do Superior Tribunal de Justiça, o STJ.
Entre os dois critérios apresentados, logicamente o Critério “II” deverá sempre ser mais vantajoso para o consumidor, vez que ele divide o volume consumido entre as unidades antes do faturamento, porém, na prática, quando o volume por economia for abaixo de 10m³, o faturamento pelo Critério “I” torna-se mais vantajoso.
Entretanto, mais vantajoso não significa mais correto, pois o consumidor ainda é penalizado com um alto volume de água faturado na faixa de consumo mais cara, tornando o preço final do m³ de água muito mais caro.
Foi através dessa ótica de dupla injustiça que o STJ em 2010, através da publicação do Tema Repetitivo 414, decidiu que:
Não é lícita a cobrança de tarifa de água no valor do consumo mínimo multiplicado pelo número de economias existentes no imóvel, quando houver único hidrômetro no local. A cobrança pelo fornecimento de água aos condomínios em que o consumo total de água é medido por único hidrômetro deve se dar pelo consumo real aferido.
Ou seja, para o faturamento do consumo de água de unidades usuárias compostas de mais de uma economia deve ser usado o Critério “II” e o volume faturado deve corresponder sempre ao volume efetivamente consumidor, vez que seu faturamento pelo “importe mínimo” foi considerado ilegal.
Diante da exposição acima, vê-se que o problema do sistema vigente não são os critérios de cobrança, mas sim a utilização do importe mínimo como referência quando o consumo de água por economia for inferior aos 10 m³.
Inclusive, este é um problema que se repetirá caso seja aprovado o PL 419/2020, pois caso a média de consumo de água por unidade seja inferior aos 10m³, ainda haverá margem na lei vigente para a prestadora de serviço faturar a cobrança através do importe mínimo.
Por fim, são inúmeros os casos em que a prestadora de serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário do Espírito Santo operou o faturamento da conta de água de maneira incorreta nos quais através da aplicação do Tema Repetitivo STJ 414, mediante ação judicial, o problema foi corrigido.
Dessa forma, não deveria se falar em criar um novo critério de faturamento para as contas de água capixabas, mas sim, em se corrigir a Resolução ARSI 008/2020 que mantém vigente o “importe mínimo” já considerado ilegal há quase 10 anos pelo Superior Tribunal de Justiça brasileiro.
Vale lembrar também que o PL 727/2019 – ES também abordou o tema do consumo de água em condomínio, trazendo a possibilidade de serem instalados medidores individuais, porém, com instalação e adaptação às custas do consumidor, deixando de abordar o real problema: o faturamento pelo importe mínimo.
"Artigo escrito com a colaboração do Dr; Victor Vasconcelos, OAB/ES 23.516."